Capítulo 9
"50 tons de vermelho"
Segunda-feira, meio dia e cinquenta e três. Helô está com a cabeça dentro da mochila... Dormindo em cima da mesa do refeitório. “Como consegue dormir desse jeito? Essa garota não respira não?” pensei comigo enquanto garfava o último pedaço de batata assada na minha bandeja. Na maior parte da semana minhas aulas eram em período integral, então costumava almoçar no refeitório central da universidade. Nós não pagávamos pela comida por sermos estudantes de lá, então qual era o problema? Nenhum, só uma fila enorme que nos fazia esperar na média de uma hora para conseguir entrar e nos servir finalmente. Na primeira vez, eu e a Helô combinamos de nos encontrar na frente do local e então pegar a fila, mas depois de ficar de pé ali por tanto tempo, resolvemos começar a nos encontrar já na fila mesmo e dane-se quem disser que uma de nós está furando.
Outra coisa curiosa é que a Helô a cada dia parecia mais e mais exausta. Ela praticamente nem conversou direito comigo. Enfiou a cabeça na mochila e dormiu, nem aí pra mim que estava sozinha comendo batata assada, com cara de cu. Mal amada. Porém, no fundo tenho uma ideia de como é cursar Direito: leitura de livros e mais livros, e nem são aqueles romances pomposos, não. São livros bem chatões mesmo, cheios de artigos e tal seções e pá, coisas assim. Em Medicina também temos livros difíceis assim, cheios de termos técnicos e científicos para todo lado. Aposto que nunca desejamos tanto os fins de semana como agora.
O último fim de semana foi do bom, exceto pelo Pedro me procurando no meio da noite e atrapalhando o lance meu e do Beto. Aquilo não foi só estranho, foi beeem estranho. Já disse que o Pedro ocupava 1% dos meus pensamentos, certo? Então... Agora ele ocupa 70%!! Realmente conseguiu instigar a minha curiosidade. Não deu nem pra prestar atenção em nada de nada e ainda a Helô só ficou dormindo, aí mesmo não tive escolha a não ser imaginar o que o Peh quer comigo.
Comecei a me preocupar com a minha amiga, ela estava tempo demais naquela mochila!
-Hey Helô. Já tá na hora. Acorda, ô múmia!
Sem resposta.
Sacudi o corpo dela que nem um Toddynho e nada. Gelei e em um impulso, dei um beliscão no braço dela que fez a doida levantar com a mochila na cabeça e tudo. Desgelei e ri pakas daquela cena.
-Anne, Anne, onde que eu tô?
Pelo jeito ela ainda estava acordando.
-Tira essa mochila da cabeça, minina!!
-Hã? Mochila?
Abri o zíper e libertei a cabeça dela de tanto sofrimento.
-AAAAAAAAH MEUS OLHOS!
Helô gritou como se estivesse na casa dela, todo mundo em volta virou para olhar o que acontecia. Só depois que voltara sua visão e sua consciência foi quando vi seu rosto adquirir 50 tons de vermelho, uma mistura do tempo que ela passou enclausurada naquela mochila mais a vergonha que a gente passou com aquele momento aleatório. Mas no fim, nós rimos de tudo isso e voltamos cada uma para seu campus. Foi bem breve, mas, ao menos, me fez esquecer o mundo um pouco. Só a Helô para fazer esse tipo de coisa...
Foi só o professor começar a falar que minha concentração desligou. O Pedro veio mais uma vez tomar conta do meu pensamento. Cansei de ficar me corroendo e resolvi mandar logo uma mensagem perguntando.
MENSAGENS ON –
-Pedro?
-Oi Anne.
-Preciso te perguntar uma coisa.
-Uma coisa? kkk
-Sim e não entendi a graça, bobo. Pq veio me procurar sábado à noite na casa do Beto?
-Só queria conversar.
-Sobre...?
-Ah sei lá, qualquer assunto.
-Como assim?
-Oq?
-Tu bate na porta da casa do Beto como se quisesse quebrar ela apenas pra conversar sobre qualquer coisa?
-Eu não tava querendo quebrar nada.
-ATA. Tu parecia até aquele maluco do “O Iluminado” só que sem o machado.
-Quem é maluco é o seu Roberto que prende a namorada no quarto e não deixa ninguém conversar com ela!
-Q?? Realmente tu tá piradão msm!
-Pq ele é um inseguro que quer usar ela como se fosse uma boneca e quando se cansar, guardar no armário pra ninguém mais ver.
-Boneca?? Usar? Comassim???? Tu tá sempre falando essas coisas do Beto, que ele quer me usar e tals. Ele nunca faria isso comigo! Nós nos amamos e não quero mais que ninguém suspeite disso!
...
MENSAGENS OFF –
Não conseguia digitar com precisão, meus dedos tremiam sem parar. Estava nervosa, muito nervosa! Em poucos instantes, minha vista embaçou e senti como se uma neblina invadisse a sala. As vozes pareciam cada vez mais distantes e tudo a minha volta movimentava-se em slow motion. Senti minha testa esquentar e subitamente ela esfriou e... Não lembro mais.
Acordei em um ambiente claro onde havia uma mesa no fundo com uma mulher de branco sentada. Percebi que eu estava em uma cama médica e logo me toquei: fui parar na enfermaria. Sentei na cama e a moça veio na minha direção em seguida.
-Está bem... Anne Lis, certo?
-Sim. Acho que estou bem.
-Você desmaiou no meio da aula e ficou descansando por duas horas.
-Duas horas??
-Sim, duas horas. Consumiu algum alimento de má aparência antes de vir para a aula?
Sim, enfermeira, consumi algo bem estragado mesmo: Um belo tiro do Pedro via Whatsapp.
-Acho que foi a batata assada do cardápio de hoje. Ela não estava lá essas coisas...
-Hum... entendo...
Ela escreveu “Batata Assada” em um dos espaços de preenchimento daquele relatório e em outro ali pôs “Suspeita de alucinógeno”. Vaca.
Demorou uma eternidade para me liberarem daquele lugar. Finalmente, quando ponho as mãos no meu celular, me deparo com três conversas: Roberto, Helô e... Pedro. O dedo de abrir a conversa do Pedro chega a tremer, mas me segurei. Decidi responder o Beto primeiro.
MENSAGENS ON –
-Hey como tá a minha musa?
-Tu já sabe né? Linda como sempre u.u
-Nem um pouco convencida hein? Te espero naquele mesmo lugar.
-Okay, já estou indo aí!
MENSAGENS OFF –
Mais uma vez hesito em abrir a mensagem dele, mas vou na Helô.
MENSAGENS ON –
-PIRIGA, ONDE Q TU TÁ??
-Saí agora da enfermaria, tô correndo aí pro ponto.
-Vixi o ônibus já tá chegando...
-Helô, se tu me abandonar...
-Entrei.
-TU NÃO FEZ ISSO! PULA A JANELA AGORA MSM!
-Não fiz msm, tava zoando kkkkk
-Ai não faz isso com meu heart!
MENSAGENS OFF –
Respirei profundamente. Estava na hora. Mds até parece que ler uma mensagem de um doido desses merece esse tipo de cerimônia toda, sou muito romantizada! Abri de uma vez e enfim... Tudo o que vi foi um “Depois do ensaio precisamos conversar”.

0 comentários: