
Capítulo 10
"O melhor pra você era eu"
Um aperto frio tomava conta de meu peito, parecia que outra pessoa vivia dentro de mim e agora estava extremamente pasma, se encolhendo aos poucos em posição fetal. Escondendo seu rosto em seus joelhos e ficando cada vez branca e mais branca. Um fantasma? Nem sei direito dizer o que era aquilo, mas sei que estava dentro de mim, controlando todo o meu psicológico. Costumo chamar esse bicho de ansiedade, angustia, curiosidade, nervosismo, tudo isso aí misturado. Estranho como a gente sente tantas coisas e nem ao menos sabe o que elas são.
Isso tudo é culpa daquela mensagem do Pedro. Puto! Precisava mandar uma dessas? “Precisamos conversar” hur dur! Ah é pra ferrar o corpo e mente mesmo, não é possível! Agora criou essa criaturazinha dentro de mim, poxa, nem fizemos nada e me engravidou de ansiedade... Quê? Nossa Anne, essa caiu mal, hein! Eu namorando com o Beto e falando de gravidez com o Pedro? São esses pequenos pensamentos que acabam comigo! Não consigo lidar com toda essa situação... Não mesmo...
-Aiii!
Helô do nada jogou sua carteira na minha cara. Nós ainda estávamos no ônibus.
-Anne?
-Por que tu fez isso, doida??
-Agora tu tá me ouvindo, né?
-Hã??
-Nuss, a enfermeira te deu o que, hein? Você tá totalmente brisada, tô te chamando já faz tempo e você aí pensando em unicórnios...
A Helô definitivamente é uma bruxa ou eu que dou muito na cara de estar pensando no Pedro! Afinal, pensem comigo: Pedro gosta de unicórnios. Você é aquilo que você gosta. Então Pedro e unicórnios são a mesma coisa!
...
Espera, mas aí então eu e o Beto seriamos a mesma pessoa? Mas espera de novo! Eu, o Beto e o papai seriamos os mesmos? Mas então eu, o Beto, o papai, a Helô, o Theus, o Igor e o Pedro seriamos todos um? Então isso significa...
-Aquela enfermeira realmente me deu alguma coisa, já não tô pensando em nada com sentido, me dá um abraço, miga.
-Tu tá me assustando, sai daqui...
-Não vai me consolar nem um pouquinho?
-O Proerd é que vai te consolar.
-É a crise...
E era a crise mesmo. Nós rimos com a brisa do momento, sentadas no banco do ônibus esperando chegar ao nosso ponto, mas isso não mudava o fato de que continuava a crise em mim. Por um instante pensei em inventar alguma desculpa para a Helô e os Bellos para não ir ao ensaio. Era a oportunidade perfeita, ainda mais que acabara na enfermaria naquele dia, qualquer um se convenceria que eu passava mal. Porém, também queria acabar de uma vez com a curiosidade de saber qual é a do Pedro...
Aí ele vai lá e fala que só quer conversar sobre qualquer coisa! Ah vá se ferrar também!
-Chegamos!!
-Tá muito animada para alguém que só vai assistir um ensaio, hein Senhorita Heloísa?
-É tu que tá diferente hoje, Senhorita Lis.
-Tô sabendo dos seus lances...
-Lances? Hahahaha
-Aquele lance chamado Matheus, sacomé...
-Hã? Sei de nada não...
Descemos do ônibus e caminhamos até o local onde os Bellos estavam. Helô foi direto encontrar com eles no estúdio e fui para o lugar onde combinei de encontrar o Beto. Abri a porta repentinamente, pensando em dar um susto nele, mas não havia ninguém no meu campo de visão. Fiquei confusa por alguns segundos até sentir alguém me puxar para um beijo.
-Tu gosta de fazer isso, né? Um dia não vai ser eu que vou entrar e tu vai acabar beijando outra pessoa...
-Acho que não, sei muito bem quando é minha musa e quando não é.
-Ué, virou vidente?
-Os astros sempre me contam...
E nos beijamos de novo. Beto e os astros... Ele leva isso muito a sério. Não diria que ele é a típica doida dos signos, pois isso é muito humanas e ele faz uns diagramas e umas contas deveras exatas para explicar o assunto. Sua mãozinha danada queria entrar por debaixo da minha blusa, mas não deixei, afinal ele tinha de ensaiar e aquele não era lugar de “brincadeirinhas”. Porém, ela ficou então passeando por minha cintura e coxas. Nos separamos e fomos para o estúdio. Chegamos no mesmo instante que o Pedro. Meu coração bateu mais forte, como se tivesse levado um soco, ao ver o olhar que ele lançou sobre nós. Um olhar meio irritado, não sei explicar...
Coincidência é te encontrar na rua
De mãos dadas com alguém que amanhã nem vai lembrar
Rindo e bebendo como alguém que nunca
Sentiu falta de alguém pra te amar
Tinha de admitir que a voz do Pedro era maravilhosa. Ela completava a melodia que vinha atrás, ou melhor, até mesmo se destacava entre os instrumentos.
O amor é pra quem se entrega
E não quer nada melhor,
Você diz
Ele também canta com tanta profundidade. É tão verdadeiro quando está ali em frente ao microfone, como se estivesse em um confessionário. Realmente, incorporação total.
Só pra se convencer
Que a sua escolha não foi tão ruim
Que foi melhor assim
Hey, mas essa letra é tão... O que ele quer dizer com isso?
Mas quando parar pra pensar
Vai perceber que o melhor pra você era eu
Sua mente fora do lugar
Você pensou que merecia mais e me esqueceu
Ele olhou diretamente para mim, como se falasse comigo. Bem nos meus olhos e isso me espantou de início, mas desviei o olhar, percebi que estava muito focada nele... Hã? Por quê? Não tenho que focar nele coisa nenhuma! Qual meu problema? Ele nem é nada meu...
Tantas vezes eu me vi fazendo planos
Querendo algo sério e você só brincando
O tempo nunca vai voltar
Só somos amigos...
Você perdeu
Aquele último verso me irritou de verdade. Quando parei para pensar naquela letra, fiquei mais irritada ainda. Definitivamente, ele estava se dirigindo a mim! Ele vai ver só quando formos conversar depois do ensaio. Vou falar umas boas para ele...
Depois de tocarem a última música daquele dia, foram todos se organizarem, guardarem os equipamentos, instrumentos e o resto das coisas. Normalmente o Beto se oferece para me acompanhar para casa, mas como tinha de falar com o Pedro, eu disse que iria resolver uns assuntos e que podia voltar sozinha depois. Ele estranhou, mas deu de ombros e nos despedimos com um selinho. Depois que todos foram embora, fui me encontrar com o dito cujo.
Havia um hall pouco utilizado naquele local, nunca vi uma alma viva passar por ali, todo mundo sempre estava no hall principal também, então não tinha um porquê daquele espaço existir... a não ser para encontros secretos como na ocasião do momento.
Pedro estava sentado no sofá dali, olhando para o nada. Fiquei meio receosa com aquela cena, ele parecia até uma assombração. Maluquice minha? Pode até ser, mas minha vontade de saber o que ele queria era mais forte. Tentei chegar de mansinho, porém, ele virou muito rápido o rosto para mim e tomei até um susto. Sentei do seu lado e já meti um tiro.
-Que cara é essa? Tu tá parecendo até um fantasma!
-É assim que se fala “Oi, tudo bem?” na sua língua?
-É sim, agora me diz o que tu precisa falar comigo.
Ele ficou me encarando por uns instantes sem falar nada, fiquei bem incomodada com aquilo e já mandei outro tiro.
-Vai falar ou não vai? Não quero voltar pra casa de madrugada.
-...
-......
-.........
-............ Ah vá se ferrar, vou embor-
-Anne, tu ficaria comigo só por uma semana?
Aquilo me chocou, mas minha resposta foi óbvia.
-Pedro, eu namoro, esqueceu?
-Sei disso... Também esperava essa resposta de tu.
-Então por que pergunta?
-Acredito que tu não saiba bem o que se passa em seu coração...
-Ah não! Vai falar mal do Beto de novo?
-Não, não! Quero dizer... Eu também não sei o que se passa com meu coração e sabe... Se nós tentássemos ao menos...
-Não vou, Pedro! Já me decidi e é o Beto que eu quero!
-Mas eu não, Anne!
O tom de voz dele aumentou repentinamente e isso me paralisou. Ele percebeu e tratou de se desculpar, mas logo voltou a falar mais suavemente.
-Eu ainda não me decidi... Se me der uma chance, talvez, ficando com tu, eu descubra o que realmente sinto e consiga me decidir sobre o que meu coração quer. Talvez descubra se gosto ou não de tu, sabe?
Não consegui dizer uma palavra naquele momento. Ele nem sequer tinha um ferro na mão e eu já estava passada com aquilo. Ficar com o Pedro para fazê-lo entender o que ele quer? Isso é ridículo a princípio, mas... Parece ser a única solução, não é?
Hey sua doida, solução de quê?? Qual o problema aqui, afinal? Isso não deveria ser da minha conta! Se ele está confuso, se ele precisa saber o que quer, então que vá ao um psiquiatra! Eu lá sou remédio pra isso, eu hein...
...
Que péssima amiga que sou... Não sei nem ao menos trazer o Pedro de volta a vida. Não posso mentir para mim mesma... Toda vez que o vejo tão distante, logo vem um aperto no peito, me sinto uma merda, na real. No entanto, é a minha relação com o Beto que está em jogo! É complicado demais ajudar nesse aspecto, será que ele não entende? Ou eu é que não entendo? Ah não sei mais de nada! Só não dava para respondê-lo ainda, naquele momento, naquele hall assustador, não, não dava!
-Anne?
-Vou pensar a respeito...
E saí correndo dali. Nem liguei se parecia uma completa idiota fugindo de toda aquela situação. Queria voltar logo para casa e só isso. Pedro não veio atrás de mim, ele deve ter entendido o recado...
Dica Bellavilhosa: Você Perdeu - Bellamore
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